Ministro diz que fará ‘retiro espiritual’ em outubro para definir seu futuro no Supremo, em meio a articulações sobre quem poderia sucedê-lo e efeitos nas eleições de 2026

Prestes a deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso afirmou em entrevistas que fará uma “reflexão profunda” antes de decidir se vai se aposentar antes da data-limite, em 2033. Nesta segunda-feira, ele passará a liderança do Supremo a Edson Fachin e, no fim de outubro, passará por um “retiro espiritual”, durante o qual deve bater o martelo sobre a continuidade no cargo.
— Quando minha mulher estava viva, eu tinha esse compromisso com ela [de sair do STF depois que deixasse a presidência]. Ela já estava doente, mas a gente tinha a pretensão de passear um pouco, de ter uma vida mais leve. Essa motivação eu já não tenho mais. Então, estou ainda verdadeiramente pensando no que fazer. Às vezes, tenho a sensação de já ter cumprido o meu ciclo [no STF]. Às vezes penso que ainda poderia fazer mais coisas. Estou falando da forma mais franca possível, do fundo do meu coração — afirmou ele, à Folha.
Aplicação da Magnitsky é ‘irrazoável’, diz Barroso
Barroso reconheceu ter conversado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre sair do STF, mas destacou não ter se comprometido com a cessão da vaga antes de 2033 — cabe ao chefe do Planalto indicar o sucessor na Corte. O ministro disse que a decisão sobre ficar ou não no Supremo não tem a ver com a possibilidade de ser incluído na Lei Magnitsky, como foi o colega Alexandre de Moraes, acusado pelos Estados Unidos de supostamente violar direitos humanos de personalidades públicas ligadas à direita, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
— Sair ou não do STF, hoje, tem mais a ver com a exposição pública pessoal, sobretudo dos meus filhos e das pessoas com quem me relaciono. Minha mulher sofria imensamente. A AGU [Advocacia-Geral da União] pagou honorários, como manda a lei, a mais de mil advogados da União. Mas a notícia é que a namorada do Barroso recebeu R$ 300 mil. Tudo isso chateia — disse Barroso.
O ministro destacou que não ter visto para os Estados Unidos é uma “chateação”, já que mantém amizades e relações acadêmicas no país. Disse também que a aplicação da Lei Magnitsky é “muito irrazoável e injusta”, na sua avaliação, embora Washington tenha “uma competência discricionária, de dizer quem pode visitá-lo e quem não pode”. Ele relatou ter “preocupação” quanto a possíveis sanções financeiras, mas disse que não deixará de fazer “nada do que deve fazer”.
— O que eu tinha que fazer [em relação ao julgamento de Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado e outros crimes] eu já fiz. Eu fui lá [no julgamento] e sentei do lado deles [ministros da Primeira Turma] porque achei que era o meu dever fazer — disse.
Barroso disse não ter “muitos medos nessa vida” e prometeu “lidar com a maturidade espiritual de quem faz a coisa certa”, caso seja alvo de sanções dos EUA.
Uma possível saída antecipada de Barroso movimenta há semanas articulações envolvendo interesses do governo Lula, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e de seus aliados em Minas Gerais. Como informou a colunista do GLOBO Bela Megale, seja qual for a decisão do ministro do STF, haverá reflexos no cenário eleitoral mineiro de 2026.
Possível saída de Barroso movimenta xadrez político em MG
Caso opte pela aposentadoria, Barroso abrirá uma vaga no Supremo, e a indicação do sucessor cabe a Lula. Entre os cotados para uma eventual vaga na corte despontam o advogado-geral da União, Jorge Messias; o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas; e o próprio presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo. Mas o nome de Pacheco, que passou a ter maior proximidade com Lula desde a eleição do presidente e das ações envolvendo a defesa da democracia, passou a ganhar fôlego.
Nas últimas semanas, porém, Lula tem deixado claro que tem planos para Pacheco em 2026 na esfera eleitoral. O senador é visto como a principal opção do presidente para a disputa ao governo de Minas Gerais. Lula considera importante ter um candidato competitivo em Minas que possa lhe dar um palanque forte, ajudá-lo a assegurar a reeleição e levar um nome ao Senado alinhado ao seu campo.
O senador mineiro também conta com a simpatia de ministros como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, pela sua atuação em defesa do STF em meio a ataques da extrema direita e às eleições de 2022. Há dúvidas no STF e no governo se o ministro optaria por esse plano diante das pressões de Donald Trump sobre os magistrados e o tribunal. Isso, sobretudo depois de os EUA suspenderem os vistos de ministros do Supremo em reação à ordem para que Jair Bolsonaro usasse tornozeleira eletrônica — o ex-presidente teve a prisão domiciliar decretada, mais adiante, por descumprir medidas cautelares.
Na entrevista à CNN, Barroso classificou a ofensiva dos Estados Unidos contra ministros do STF como “injusta” e disse esperar que o cenário melhore ao fim do julgamento dos outros núcleos da trama golpista. Ele ressaltou os custos pessoais de integrar o Supremo em tempos de polarização política.
— Há um exemplo que gosto de dar. Eu fui à final da Copa do Mundo de 2014, com a minha mulher e meus dois filhos, fomos como qualquer família ao Maracanã. Depois, em 2016, eu fui à abertura das Olimpíadas, com o ministro Teori [Zavascki] e meu filho menor. E, hoje em dia, eu não posso sair na rua sem três seguranças. Essa foi a transformação, esse é o custo pessoal de um país em que alguma coisa aconteceu, que gerou muito ódio e muita raiva nas pessoas. Algum tipo de liderança política que trouxe essa consequência muito negativa de extrair o pior das pessoas em termos de violência, de intolerância, de agressividade. Essa é uma novidade que não havia no Brasil — destacou.
À CNN, Barroso ainda criticou como “retrocesso” o debate da PEC da Blindagem (derrubada pelo Senado, a proposta prevista que ações penais contra parlamentares fossem autorizadas pelo Congresso). Ele também criticou o “timing” do debate sobre anistia, mas afirmou ser simpático a uma discussão sobre a redução de penas de condenados. Ele classificou a análise judicial da tentativa de golpe de 2022 como “um julgamento que encerrou os ciclos de atraso na história brasileira de golpes, contragolpes e tentativas de quebra da legalidade”.
O ministro do STF destacou, ainda, que sua interlocução pessoal com a cúpula do Congresso é “a melhor possível” e considerou normal que parlamentares, por vezes, vocalizem algum “desagrado” contra ministro do Supremo.
— O arranjo institucional brasileiro reserva, para o Supremo Tribunal Federal, um papel de certo protagonismo em quase tudo que é importante. Não é um desejo do Supremo, mas é como a Constituição configurou sua atuação. A gente está decidindo sempre as questões mais divisivas da sociedade brasileira. Então a gente está sempre desagradando alguém. É normal que o Congresso vocalize esse desagrado — disse ele, à CNN.



