No agro, os produtos sujeitos ao tarifaço por ordem de importância na pauta de exportações são café, carnes e sucos
A agroindústria brasileira será o setor mais impactado pelo tarifaço de Donald Trump, que entra em vigor a partir desta quarta-feira, 6. Além do peso do agronegócio na economia nacional, essa perspectiva é puxada para baixo pela quantidade de áreas que não mereceram isenções na ordem executiva assinada por Trump, no dia 30 de julho. Outro segmento bastante afetado será o de máquinas e equipamentos, segundo especialistas.
No agro, os produtos sujeitos ao tarifaço por ordem de importância na pauta de exportações são café, carnes e sucos, segundo levantamento a BMJ Consultores Associados (veja tabela completa abaixo). Somados, esses dez produtos venderam US$ 5,4 bilhões aos EUA este ano. Segundo a BMJ, o tarifaço afetará quase 83% das exportações brasileiras de produtos agrícolas em 2025.
Principais produtos do agro afetados pelo tarifaço
Café e carnes estão entre os mais impactados (em US$ bilhões)
Produto | Sujeito ao tarifaço | Isentos | Incluídos na seção 232* | |
---|---|---|---|---|
Café | 1.94 | 0.00 | 0.00 | |
Carnes | 1.02 | 0.00 | 0.00 | |
Açúcar | 0.68 | 0.00 | 0.00 | |
Madeira | 0.00 | 11.10 | 1.58 | |
Sucos | 0.42 | 0.83 | 0.00 | |
Preparações de carnes | 0.40 | 0.00 | 0.00 | |
Gorduras e óleos animais ou vegetais | 0.39 | 0.00 | 0.00 | |
Preparações alimentícias diversas | 0.33 | 0.00 | 0.00 | |
Tabaco | 0.26 | 0.00 | 0.00 | |
Celulose | 0.00 | 1.67 | 0.00 | |
Total | 5.42 | 2.51 | 1.58 |
São tantos subsegmentos sobretaxados dentro da agroindústria, que áreas como pescados, mel e produtos apícolas ficaram fora da lista dos maiores pesos na balança comercial afetada, de acordo com a BMJ. “Apesar de terem os EUA como seu principal mercado exportador e empregarem bastante, pescados e produtores de mel são pequenos em termos de receita para um universo de mais de US$ 40 bilhões exportados por ano”, diz Josemar Franco, gerente de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados.
Para ele, o fato de os EUA não terem colocado café e carne na lista de produtos isentos faz parte da estratégia americana. “Se todos os produtos importantes tivessem sido excluídos de cara do tarifaço, os EUA ficariam sem ferramentas de negociação”, afirma Franco.
João Carmo, economista da consultoria 4Intelligence, diz que, apesar de serem bastante impactados, esses dois segmentos tendem a sentir menos a sobretaxa, uma vez que eles são menos dependentes dos EUA. Em 2024, aquele país absorveu 16% das vendas de café do Brasil ao exterior e menos de 10% da carne bovina. “Como grande competidor internacional e com poder de barganha, o Brasil deve encontrar outros destinos para esses produtos, caso o tarifaço se mantenha”, diz ele.
Prova disso, afirma, é que desde abril, quando os EUA impuseram a tarifa de 10% sobre todos os produtos globais, as importações americanas do Brasil diminuíram, mas as exportações brasileiras não arrefeceram na mesma proporção. “Alguma perda, porém, será inevitável”, diz.
Em relação às máquinas e equipamentos, a expectativa é menos otimista. Mais da metade dos produtos de instalações e equipamentos de engenharia civil exportados pelo Brasil, por exemplo, são destinados aos EUA. O comércio com aquele país superou os US$ 2 bilhões apenas este ano. “São produtos muito mais difíceis de serem redirecionados”, diz Carmo.
De toda forma, os setores que ficaram fora da lista de isenções continuam buscando alternativas e insistem em negociações, com a expectativa de mudança de posição do governo dos EUA.
Café continua na mesa de negociações, enquanto abre novos mercados
O café foi um dos primeiros setores a dizer que seguiria na mesa de negociações com seus pares nos EUA. Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o produto brasileiro representa uma fatia superior a 30% do mercado americano, sendo que o Brasil é o principal fornecedor do insumo aos EUA.
Ao mesmo tempo, os exportadores têm avançado em outros mercados. A China habilitou 183 novas empresas brasileiras de café a exportar o produto para o país no mesmo dia em que os Estados Unidos assinaram a ordem que oficializou o tarifaço contra o Brasil. Apesar de os chineses não serem grandes tomadores de café, há uma tendência de crescimento no consumo naquele país.
Carne tem contado com apoio de consumidor americano
Além das negociações por vias tradicionais, a carne tem contado com o apoio de pequenos consumidores. Na segunda-feira, 4,a Associação Nacional de Restaurantes dos Estados Unidos, que representa 500 mil estabelecimentos no país, pediu isenção de tarifas para produtos como o café e a carne brasileiros para não afetar o custo e a disponibilidade de produtos nos estabelecimentos.
Além disso, parte das vendas aos EUA que já diminuíram em função das tarifas de 10% impostas em abril estão indo para outros mercados. O volume de compras do México, por exemplo, aumentou 420% de janeiro a junho em relação ao mesmo período do ano passado, de 3,1 mil para 16,1 mil toneladas.
A China, responsável por quase metade das exportações brasileiras, também aumentou o volume de compras. Ao todo, foram 134 mil toneladas em junho, ou US$ 740 milhões. O crescimento em relação a janeiro foi de 64%.
Açúcar diz que exportações aos EUA serão inviáveis
No setor de açúcar, algumas empresas têm dito que será difícil manter a operação, como a Native. Porém, as negociações continuam. O Brasil é tradicionalmente responsável por 150 mil toneladas da cota de açúcar bruto com isenção tarifária concedida pelos EUA, volume que costuma ser ampliado anualmente para cerca de 200 mil a 220 mil toneladas.
“Como o Brasil sempre cumpre prazos e tem oferta, eles (os EUA) nos chamam quando outros países não conseguem embarcar”, diz presidente da Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio), Renato Cunha. A cota total dos EUA hoje é de cerca de 1,1 milhão de toneladas, dividida entre 39 países, com a República Dominicana no topo.
Calçados temem perder 8 mil empregos
No setor calçadista, o tarifaço deve “inviabilizar” a venda para o mercado americano, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O país é o principal destino dos produtos brasileiros.
“Temos empresas cuja produção é integralmente enviada ao mercado externo, a maior parte para os Estados Unidos”, afirmou a entidade. Essas empresas “terão produtos muito mais caros do que os importados da China, por exemplo, que pagam uma sobretaxa de 30%”. A Abicalçados estima a perda de 8 mil empregos diretos.
Para mitigar os efeitos dessa medida na indústria, a entidade defende que o poder público implemente linhas para cobrir o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) em dólar com juros do mercado externo; a ampliação do Reintegra para exportadores; a liberação imediata de créditos acumulados do ICMS; e a reedição do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm).