Um dos principais suspeitos do crime foi preso no Aeroporto de Passo Fundo (RS), após desembarcar de um voo vindo do Aeroporto de Guarulhos
O Ministério Público de Goiás (MPGO) deflagrou nesta quinta-feira (5) a Operação Desafino, com o objetivo de desarticular esquema de crimes cibernéticos que vitimou compositores de músicas sertanejas, a maioria residente no estado de Goiás. Segundo as apurações iniciais, o golpe milionário causou um prejuízo estimado em mais de R$ 6 milhões e pode ter afetado mais de 400 canções, com ao menos 30 milhões de visualizações nas plataformas de streaming.
Um dos principais suspeitos do crime foi preso no Aeroporto de Passo Fundo (RS), após desembarcar de um voo vindo do Aeroporto de Guarulhos (SP).
Ele era procurado em Recife (PE), onde também foram cumpridos mandados de busca e apreensão em casa. Como parte da operação, foram mobilizados servidores públicos e policiais de Goiás, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Além disso, o MPGO determinou o sequestro e bloqueio de bens no valor de R$ 2.312.000,00, incluindo veículos, imóveis e criptomoedas. Conforme o MPGO, as investigações continuam em sigilo, mas já indicam que os crimes envolvem violações qualificadas de direitos autorais, falsa identidade e estelionato contra agregadoras de música.
As investigações revelaram uma elaborada rede criminosa que agia com o uso de tecnologia avançada, incluindo inteligência artificial (IA).
O esquema tinha início com a obtenção de “guias” musicais – versões simplificadas das canções gravadas pelos compositores – que eram subtraídas de forma ilícita. Usando e-mails criados com identidades falsas, os responsáveis pelo esquema publicavam as músicas nas principais plataformas de streaming sob nomes fictícios de artistas que sequer existiam.
Graças à alta qualidade das músicas, as canções frequentemente alcançavam um grande público, gerando lucros consideráveis pagos a contas bancárias ligadas diretamente aos investigados. Além disso, foram usadas capas geradas por sistemas de inteligência artificial, o que chamou atenção pelo uso da IA não apenas para falsificação, mas também para manipulação de execuções nas plataformas. Durante o cumprimento dos mandados, a polícia apreendeu dezenas de notebooks equipados com programas que simulavam milhões de reproduções nas plataformas digitais.
A ousadia dos criminosos envolvia grandes nomes da música sertaneja, incluindo compositores e artistas renomados. Em alguns casos, o esquema chegou ao ponto de publicar canções com a voz original de artistas amplamente reconhecidos no Brasil, mas atribuindo-as a “artistas” falsos criados especificamente para o golpe. Outro dado apurado foi o reaproveitamento de capas de álbuns e o uso de vozes femininas em músicas atribuídas a supostos cantores masculinos.
Em vários arquivos enviados às plataformas de streaming, os investigados sequer apagavam os “metadados” originais, nos quais constavam o nome verdadeiro do compositor e o título original da música. Essa negligência acabou fornecendo pistas valiosas para as investigações e corroborando as denúncias feitas por compositores e outros participantes do setor.
O caso começou a ser desvendado após um trabalho de jornalismo investigativo conduzido pelo portal UOL, que revelou os indícios do esquema, e a denúncia formal de uma das vítimas ao MPGO. Desde então, a unidade especializada em crimes cibernéticos do Ministério Público de Goiás, o CyberGaeco, assumiu a operação, cruzando dados financeiros, digitais e colaborando com órgãos de segurança de outros estados.
Até o momento, além do bloqueio milionário de bens e da prisão do principal suspeito em Passo Fundo, as autoridades seguem analisando o vasto material apreendido, incluindo depoimentos e evidências coletadas nos dispositivos eletrônicos. A operação não apenas mira o desmantelamento completo da organização criminosa, mas também busca reparar os danos financeiros e morais sofridos pelas vítimas.
O MPGO destacou que muitas das músicas envolvidas no golpe foram tiradas de plataformas, o que impactou na visibilidade dos compositores originais e em um mercado já altamente competitivo e vulnerável a fraudes digitais.
Os investigados podem responder por uma série de crimes, incluindo:
Violação qualificada de direitos autorais;
Falsa identidade (pela criação de artistas e identidades fictícias);
Estelionato contra agregadoras de música.
Além disso, o uso de inteligência artificial para manipulação de execuções e criar materiais gráficos falsificados pode abrir precedentes para novas acusações no âmbito de crimes digitais.