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Uso de drones com bombas pelo Comando Vermelho expõe escalada bélica do crime organizado

A tática repete estratégias usadas em guerra como a da Ucrânia e a da Faixa de Gaza e revela o novo estágio de sofisticação das facções

As imagens de casas em chamas após ataques com drones no Rio de Janeiro nesta terça-feira, 28, expõem a escalada bélica do crime organizado no País. Facções incorporam tecnologia cada vez mais avançada tanto para a logística do tráfico de drogas quanto para atacar grupos rivais e as forças de segurança – e risco para moradores das comunidades vulneráveis onde os bandidos se escondem.

A operação policial no Rio contra o Comando Vermelho (CV) nesta terça resultou na morte de 64 pessoas, incluindo 4 policiais. Foi a mais letal da história da polícia fluminense. Em reação à ofensiva policial, o CV usou drones adaptados para lançar bombas. A tática repete estratégias usadas em guerra como a da Ucrânia e a da Faixa de Gaza e revela o novo estágio de sofisticação das facções, conforme especialistas em segurança pública ouvidos pelo Estadão.

Além dos drones, o arsenal inclui armamento cada vez mais pesado – com a descoberta pelas autoridades até de fábricas clandestinas de fuzis – e câmeras termográficas para monitorar a movimentação de alvos. Os equipamentos usados costumam ser drones comerciais do tipo FPV (First Person View), facilmente adquiridos pela internet por valores entre R$ 3 mil e R$ 10 mil. Apesar de simples, são capazes de transportar cargas de até meio quilo, o que já é suficiente para carregar uma granada de mão.

“Cada vez mais facções como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) adquirem armamento de grosso calibre, de ponta, para atividades criminosas”, diz Leonardo Silva, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Não à toa, nos últimos anos se observa no Rio a apreensão de equipamentos antidrone, justamente de facções tentando se proteger do ataque de grupos rivais.”

Isso exige também mudanças no planejamento de ações pelo poder público, uma vez que o uso da tecnologia destrutiva eleva o risco para moradores de áreas próximas, como foi o caso do Alemão e da Penha, territórios que foram alvo da megaoperação desta terça. O próprio secretário da Segurança Pública do Rio, Victor Santos, admitiu, em entrevista à TV Globo, as dificuldades de reprimir o narcotráfico. “Esses criminosos dominaram essa região. Hoje, por exemplo, utilizaram drones lançando artefatos explosivos contra os policiais e a população. É a realidade, esse Estado de Guerra que a gente vive no Rio de Janeiro”, disse.

As facções tentam inclusive cooptar parte do conhecimento técnico de dentro das próprias forças de segurança. A Polícia Federal prendeu, em setembro de 2024, um militar da Marinha acusado de auxiliar o CV na adaptação de equipamentos aéreos. A suspeita é de que ele ensinou traficantes a usar um dispositivo que segura a granada e libera o pino na hora do disparo.

Drones comerciais e de baixo custo

O uso de drones pelo crime já foi tema de audiência pública no Senado este mês e tratado por especialistas e autoridades como um desafio internacional. Presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil, Rodolfo Queiroz Laterza destacou que a guerra na Ucrânia simboliza uma revolução no uso de drones, que deixam de atuar só em funções de ISR (inteligência, sensoriamento e reconhecimento) para operar como plataformas de ataque de longo alcance.

Ele também citou o uso do equipamento por facções e insurgentes em países como Nigéria, Mianmar, Sudão e México. Segundo Laterza, drones comerciais e de baixo custo podem transportar um único explosivo (geralmente uma granada de morteiro) e destruir veículos blindados leves, como o caveirão da PM do Rio.

“(É preciso) Permitir, inclusive, às forças de segurança a utilização de sistemas antidrones. Hoje há armas de energia direcionada, sistemas de modulação de bandas de frequência para conter esses drones. E precisa ter capacitação. (…) Todas as forças de segurança vão precisar, nos próximos cinco anos, se capacitar em cima disso e ter, acima de tudo, departamentos autônomos de sistemas não tripulados. Caso contrário, enfrentaremos riscos imensuráveis à nossa segurança”, afirmou.

Como mostrou o Estadão, o PCC e outras facções também usam drones e até câmeras termográficas que identificam fontes de calor para monitorar postos fluviais polícia na Amazônia. Segundo autoridades locais, o equipamento é empregado por “consórcios” do crime organizado no transporte de entorpecentes e por “piratas dos rios” que saqueiam embarcações. Há ainda relatos de uso por grupos de garimpo ilegal.

Em São Paulo, investigação do Ministério Público revelou que o PCC incluiu o uso de drones e equipamentos de geolocalização no esquema de monitoramento de alvos “jurados de mortes” – dentre elas um promotor e um diretor de presídios.

Fabricação de armas

Os drones não são a única inovação empregada pelo crime. No Rio, o CV tem desenvolvido explosivos improvisados e, em algumas partes do País, grupos criminosos passaram a fabricar armas de grosso calibre.

Réplicas do fuzil AR-15, por exemplo, foram apreendidas pela PF em fábricas clandestinas em diferentes Estados. Para montar o arsenal, os bandidos importam componentes da China e dos Estados Unidos e maquinário de alta precisão para produzir as peças.

Traficantes do CV também passaram a esconder explosivos em barricadas. Os artefatos, conhecidos como “cones-granada”, funcionam como minas terrestres e explodem ao menor movimento. Em um desses casos, na Favela do Barbante, na Ilha do Governador, três policiais ficaram feridos após a detonação de um desses dispositivos.

Em outra frente, em agosto, a Polícia Federal e a PM de São Paulo desmantelaram uma fábrica clandestina de armas no interior paulista. Dois homens foram presos e 40 fuzis modelo AR-15, em fase de montagem, foram apreendidos. Segundo a investigação, a estrutura abastecia tanto o PCC quanto o CV, rivais na disputa pelo narcotráfico.

Neste mês, a PF deflagrou a Operação Forja, para desarticular uma quadrilha especializada na produção, montagem e comércio ilegal de armas de fogo de uso restrito, com capacidade industrial, estimada em 3,5 mil fuzis por ano, destinados às principais facções do Rio. Havia entregas coordenadas para comunidades da Rocinha e do Alemão.

A investigação é desdobramento da “Operação Wardogs”, de outubro de 2023, quando o líder do grupo foi preso com 47 fuzis, levando ao desmantelamento de uma fábrica em Belo Horizonte.

A sofisticação bélica também se reflete pela entrada de armas estrangeiras. Levantamento da Subsecretaria de Inteligência (SSI) da Polícia Militar do Rio apontou que 90% dos fuzis apreendidos pela corporação em 2023 foram fabricados no exterior.

Para Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, isso reforça a necessidade de investir na inteligência investigativa para mapear as redes de fabricação clandestina e os fluxos internacionais de armas. “É preciso fortalecer articulações entre as polícias estaduais e a Polícia Federal, fortalecer o centro de rastreamento da PF”, diz.

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