Bem-vindo – 10/12/2024 02:23

Creches públicas do Distrito Federal retomam as atividades presenciais

Com um ano e quatro meses de ensino remoto, a rede pública do Distrito Federal dá início à retomada das aulas presenciais hoje. Mais de 22,9 mil crianças de até 5 anos voltam às atividades em 122 creches vinculadas à Secretaria de Educação (SEDF). Nos colégios, a previsão do retorno é para 2 de agosto, de maneira híbrida. Representantes da pasta acreditam que, até lá, todos os profissionais estarão imunizados contra a covid-19. No entanto, apesar das expectativas, alguns educadores têm demonstrado preocupação, não só no que diz respeito às questões sanitárias.

A pandemia forçou a comunidade escolar a se adaptar ao ensino a distância. Hellen de Paula Mota, 38 anos, diretora-geral do Centro Comunitário da Criança — creche conveniada ao Executivo local com atuação em quatro endereços em Ceilândia — sente-se confiante com a preparação que ocorreu no período de atividades remotas. Todos os colaboradores estão imunizados com a primeira dose das vacinas, segundo ela. “É um misto de alegria e ansiedade. Construímos um protocolo próprio da instituição com base na experiência das escolas particulares”, explica.

Entre as estratégias, há atividades lúdicas para garantir a troca, a cada duas horas, das máscaras dos profissionais. “São cinco por dia, de diferentes cores, para todos os colaboradores. E, no momento da substituição, colocamos uma música com referência à cor da vez. Toda a equipe faz a troca do item de proteção”, detalha.

As creches do Centro Comunitário da Criança atendem 743 meninos e meninas de 1 a 3 anos. A monitora Darly Lustosa, 31, trabalha na instituição de ensino e considera importante o retorno presencial: “Estou muito feliz. Estamos todos preparados e ansiosos. Sentimos como se estivéssemos acalentando as crianças, depois de tanto tempo longe”, descreve a colaboradora.

Carga horária

O filho de 1 ano e 5 meses da atendente Morgana Mendes Guimarães, 35, voltará à creche hoje. Apesar da insegurança com o momento da pandemia, a mãe está feliz pelo retorno. “Elas (as crianças) precisam de um lugar para ficar e interagir com outras, desenvolverem-se. E nada se compara ao ambiente escolar. Esse período em casa foi bem difícil, apesar do apoio que a creche nos deu. Como meu filho ainda é do berçário, não pode ter acesso às telas; por isso, as educadoras não mandavam vídeos, só áudios, com sugestões e explicações das atividades aos pais. É um alívio saber que ele exercerá o direito de receber educação”, completa a moradora de Ceilândia.

Apesar da felicidade em retomar o contato com os estudantes, Vinícius Matos, 36, teme pela carga horária dupla que pode afetar os profissionais devido ao retorno híbrido. “Não paramos em momento algum, e o ensino remoto exigiu muito da equipe. Para muitos, era um universo não explorado. Foi uma questão desafiadora, de renovação e aprendizado. É importante estar próximo dos alunos. Algumas coisas, o ensino on-line não consegue fazer”, pondera o professor, que atua em dois colégios públicos do DF.

Outro ponto que preocupa a categoria é o fato de que a vacinação tem ocorrido por regional de ensino e, por isso, muitos profissionais da educação não estão imunizados. “Nem a metade da dos educadores foi atendida ainda. Não haverá retorno sem a categoria estar devidamente imunizada e (em ambiente de trabalho) com todas as condições sanitárias e estruturais adequadas”, cobra Samuel Fernandes, diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF).

Coordenador de ensino integral do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 1 de Planaltina, Marcus Martins, 65, está empolgado com o retorno dos estudantes. “O mais importante é a interação social. Ficar isolado traz consequências psicológicas e sociais”, ressalta o coordenador da escola, que atende mais de 1 mil alunos. Todos os professores do colégio receberam vacinas contra a covid-19.

Apesar da empolgação, a estudante Amanda Santos Vieira, 14, sabe que o esforço terá de ser dobrado para recuperar o ritmo no ambiente escolar. “Vai ser bem difícil aprender conteúdo novo. Ter aulas a distância é muito complicado. Vamos precisar nos esforçar bastante para pegar as matérias de ponta a ponta. Sinto que ‘pulei’ o 8º ano, praticamente, porque não aprendemos muito, apesar do esforço”, pondera a jovem, que teme pelo descumprimento das medidas sanitárias.

Ensino público no df

460 mil
Estudantes

686
Instituições educacionais

Profissionais

25,9 mil
Professores efetivos

10,5 mil
Professores temporários

8,8 mil
Na carreira de assistência

mil
Merendeiros, copeiros, servidores da limpeza e da vigilância

Vacinados

14.893
Com dose única

19.827
Tomaram primeira dose

218
Imunizados com duas doses

Fonte: secretarias de Educação e de Saúde do Distrito Federal

Planejamento seguro e coerente

Em termos de prejuízos, o primeiro ponto a ser considerado é a própria pandemia — para qualquer pessoa, em qualquer área, com um período de reclusão e perdas em ritmo nunca antes vivenciado. O segundo, em relação aos alunos, é a questão educativa. Estamos acostumados a lidar com o processo educacional de forma presencial. Nossa cultura é de interação face a face, e os estudantes dependem da infraestrutura da escola. Grande parte deles não teve acesso ao processo educacional no ensino remoto por falta de recursos tecnológicos e sociais. Mas um ponto positivo a ser destacado foi a mobilização das escolas, em contato com as famílias e crianças, em processos incansáveis de solidariedade e trabalho.

A responsabilidade de recuperar o que ficou perdido passa por retomar as atividades presenciais, mas é necessário que todos os públicos envolvidos estejam vacinados — não apenas os professores —, o que implica imunizar praticamente toda a população. A vacina por partes e para grupos específicos não suspende a circulação do vírus. Não adianta os educadores serem vacinados, mas alunos, pais e responsáveis, não. Assim, o contágio vai acontecer. Além do contato do estudante com a família, há alunos que se deslocam para a escola por meio do transporte público.

Ademais ao planejamento epidemiológico e sanitário, é preciso olhar para a questão pedagógica, com uma avaliação em rede entre escola e turma, para não aumentar ainda mais o “buraco” na educação, na comparação com o período pré-pandemia, quando tínhamos estudantes com níveis de aprendizagem diversos e muita distorção entre idade e série. Se não soubermos em que página está cada aluno, provocaremos um processo de expulsão deles das escolas. Não adianta juntar todos de volta, como se não tivesse havido disparidade de acesso, condições, dedicação e de estudo nesse um ano e meio de pandemia.

A partir desse diagnóstico, haverá como planejar o ciclo formativo, sabendo quanto tempo e o que tem de ser feito pedagogicamente para colocar todos os estudantes no mesmo nível. Para isso, é preciso haver ação intersetorial entre educação, proteção e saúde, considerando crianças órfãs e em situação de violência e fome, por exemplo. É imprescindível cuidar das sequelas do tempo de pandemia, e não vejo o DF fazer essa discussão para o retorno às aulas presenciais. Cuidar da educação requer responsabilidade e compromisso com a vida. E falta um planejamento seguro e coerente.

Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF na Campanha Nacional pelo Direito à Educação